Um filme com guião exigente
22 Set, 2021
Dificilmente um guião seria tão exigente como o que estava escrito antes do jogo de domingo no Estoril.
Um filme vive da inspiração dos seus realizadores, produtores, actores e do brilho dos espectadores. Um filme segue o seu guião. Retrata acontecimentos que lá estão escritos numa sequência determinada para nos contar uma história. Enquadra cenas e factos. Sucedem-se momentos bons, menos bons para no final nos trazer uma conclusão ou simplesmente nos deixar a pensar…
Dificilmente um guião seria tão exigente como o que estava escrito antes do jogo de domingo no Estoril. O Campeão Nacional vinha de dois empates para a Liga Bwin com enquadramentos diferentes. Em Famalicão, num dia menos bom, e em casa com o FC Porto, numa exibição de enorme qualidade onde o empate deixou o sabor amargo de alguma injustiça. Mas, sobretudo, vinha de uma ressaca de derrota caseira para a Champions League. E tinha pela frente “somente” a grande surpresa da Liga até ao momento, com apenas um empate nos primeiros cinco jogos da temporada, e a jogar perante os seus associados.
Era necessário reagir a um preâmbulo tão difícil. Reescrever o guião pelo realizador e estar preparado para os “twists” próprios de Hollywood. Saber interpretar. Fechar a película com sucesso colocando uma pedra sobre aqueles que passam, mesmo depois de todas as “prequelas” do último ano e meio, do estado de histeria à depressão no mesmo mês. Na mesma semana. Ou, por vezes, no mesmo jogo!
Rúben Amorim assumiu que esta foi a semana mais difícil que este grupo de trabalho já viveu. Pudera. Um grupo que no último ano só falhou a conquista da Taça de Portugal a nível nacional. Um grupo muito jovem e que ainda passa pelas famosas “dores de crescimento”. Um grupo que tem vindo a ser alvo de algumas lesões traumáticas que têm afastado dos jogos alguns jogadores fundamentais. Um grupo que habituou os seus sedentos Sócios e adeptos a vitórias. A bom futebol. Agora a saber que tem a responsabilidade de assumir o momento e reagir.
A alegria natural e contagiante desta equipa não deve ter sido posta de lado, mas os sorrisos na cara que transbordam nos “Inside Sporting” e nos “Backstage Sporting” deram lugar a responsabilidade e compromisso para reagir com atitude e oferecer uma vitória para quem os saudou da forma reconfortante que saudou no final do jogo com o Ajax Amsterdam.
O Estoril entrou em campo com vontade de não deixar o Sporting CP reagir. Qualidade na posse e a sair em construção. Intensos com bola a procurar “ferir” entre os centrais e os laterais. À procura de espaços similares ao último jogo dos Leões, mas com mais simplicidade e rapidez a colocar a bola na frente depois de contornar a pressão da primeira linha defensiva Leonina. Os primeiros 15 minutos de jogo mostravam o “filme” que os pupilos de Bruno Pinheiro queriam protagonizar, mas ficaram-se por aí. Coincidiu a única defesa (e boa) de Adán com a reviravolta no sentido de jogo, que a partir daí foi único e sempre favorável à nossa jovem equipa.
Devia estar escrito no balneário pelo próprio Rúben Amorim que “depressa e bem não há quem”, e o Sporting CP começou então a reagir e a mostrar os seus intentos. Com o regresso do capitão Coates, promoveu-se a entrada de Matheus Reis a central canhoto e Sarabia no lugar de Jovane. Quando o Sporting CP recuperava a posse de bola o adversário recuava os dois médios
defensivos para junto da linha mais recuada, um na marcação individual a Paulinho e outro a tentar conter a influência da dupla Palhinha-Matheus Nunes. As marcações eram individuais, mas era em equipa que se ultrapassariam os desafios, e com a calma necessária para trabalhar a bola e esperar pelos momentos certos de atacar a baliza estorilista.
O Estoril recuava para tirar a profundidade e os espaços nas costas da sua defesa que os Leões tanto gostam de explorar formando uma linha de praticamente seis elementos. Rúben Amorim deu indicações claras para apostar na posse e na variação de corredores de jogo do Sporting CP. Com paciência, com qualidade no passe, e a fazê-lo cada vez com mais frequência e rapidez, começaram-se a abrir espaços e por três vezes na primeira parte só por milagre evitaram que o Sporting se adiantasse no marcador.
A astúcia do “realizador” Rúben Amorim mais uma vez viria a fazer a diferença. O ligeiro ajuste posicional da dupla de médios Matheus Nunes – Palhinha a adiantarem-se no terreno quando sem bola, e a abrirem como verdadeiros médios interiores quando a equipa tinha a posse de bola, permitiu as triangulações entre o central – ala – médio interior que fomentavam a posse de bola num dos corredores. Obrigavam o Estoril a bascular em torno do lado em posse de bola e libertavam espaço no corredor contrário onde após passe rápido de variação de flanco o ala e o médio interior estavam sempre em vantagem e com possibilidade de “galgarem” metros sobre a defensiva adversária.
Paulinho, sempre ele, a criar espaços e desequilíbrios posicionais na frente ou mais recuado em zonas de construção. Sarabia e Jovane a jogarem quase como dois avançados à espera das entradas dos alas, dos interiores e do Nº 9 que também é Nº 10. A lateralidade do irrequieto Nuno Santos e do pujante Pedro Porro. O verdadeiro cerco à baliza do Estoril estava montado, as oportunidades sucediam-se e, para além do 1-0, outros ficaram por marcar numa noite onde a eficácia voltou a estar de costas para a nossa equipa. A segurança do eixo defensivo com Matheus Reis e Neto em bom plano liderados pelo capitão Coates seguraram as ténues investidas do adversário nos minutos finais.
Uma vitória festejada com os Sócios e adeptos presentes e que apoiaram do primeiro ao último instante. Na raça. Justa. Inquestionável. E uma reacção digna de um filme dos grandes lutadores. Como só dão os verdadeiros Campeões quando alguém os tenta encostar às cordas: Uníssona, Implacável… e Épica! Uma exibição segura, paciente, dominadora e que permite à equipa trabalhar confiante e com olhos no próximo adversário, o CS Marítimo.